02 dezembro 2007

Tentativa 1 - Uma troca incompreensível

Tudo beirava à perfeição. Lindas flores da estação escolhidas, vestido alugado e convites na gráfica.
Flora estava apaixonada, nas nuvens. Muito em breve, seria uma moça casada, como mandava a tradição. Como fazia com suas bonecas, como assistia na TV.
Naquela noite quente de sexta-feira, Flora e Ednaldson ganharam as ruas, cheias de casais procurando diversão e banquinhos lado a lado.
A moça falava sem parar sobre os preparativos do casório. Ednaldson parecia distante. Embora este fosse o típico comportamento masculino diante dos detalhes de cerimônias - civis e religiosas - não eram apenas este o motivo da distância mental de Ednaldson. Tinha suas lembranças no passado próximo, quando Flora e ele se conheceram.

Ed era caixa noturno em um grande supermercado (sim, é super, portanto é grande). Em uma de suas madrugadas tediosas, viu ao longe Flora, distraída, na seção de bebidas. Com um misto de espanto e curiosidade, ela abria as caixas de bebidas e se perguntava onde estariam as garrafas. Meio insegura, dirigiu-se ao caixa de Ed para pagar.
- Moço, eu pago primeiro a caixa e depois eu pego a bebida onde?, disse Flora, sorrindo sem jeito.
Ed a achou bonita. Nada especial, mas bela, cara de moça direita. A nora que sua mãe adoraria.
Pelo número do cartão do supermercado, ele conseguiu que seu amigo do CPD lhe fornecesse o telefone de Flora. Ligou para ela e foi lembrado. Ambos haviam deixado suas marcas, tinham gostado um do outro. Tanto que, em algumas semanas, já estavam namorando firme.
Flora estava encantada e se considerava privilegiada em ter tirado a sorte grande. Se existe um artigo em falta na feira dos relacionamentos é um bom rapaz, para te amar e respeitar. Ela conseguira.
Ednaldson sentia-se muito feliz em ter encontrado uma boa moça para formar sua família.
No entanto, poucas semanas antes do casamento, Ed foi perturbado por uma visão. Naquela mesma seção de bebidas, no mesmo horário em que certa noite vira sua noiva Flora, ele avistou a mulher mais linda (= gostosa) do mundo. Excetuando-se as das revistas, claro, mas aquela era real, estava ali, sem retoques ou tratamento de imagem.
Ed começou a notar a rotina da tal moça. Ela aparecia duas vezes por semana, no mesmo horário, nas mesmas gôndolas. Ele nunca a perdia de vista, não a tirava da cabeça. Pensava até como era possível que tivesse visto Flora antes de reparar naquela deusa. Não chegou perto dela, não se apresentou, não tentou descobrir seu telefone. A mulher o paralizara.

Flora falava, falava, falava. Até notar que não estava sendo ouvida.
- Ed... Ed! O que deu em você? Eu estou aqui me esgoelando e você nem se manifesta.
- Flora... eu não vou mais me casar com você.
- Ah, Ed! Pára com isso! Que brincadeira boba é essa, meu amor?
- Não é brincadeira. Estou falando muito sério. Não posso me casar com você porque não paro de pensar em outra...
Ednaldson contou em breves palavras a história de sua visão, evitando os detalhes que pudessem magoar Flora ainda mais.
- Mas... Ed, você vai me deixar por... por uma... obsessão? Ela nem sabe que você existe!
- Ainda não sabe. Quer dizer, ela sempre me vê no supermercado e no próximo encontro, vou me declarar.
- Declarar? Você sempre disse que eu era a mulher perfeita para casar e agora você me troca por uma par de peitos, uma cintura fina e uma maldita bunda?
- Olha o respeito, é uma senhora bunda.
- EDNALDSON OTÁVIO DE SOUZA!
- Sinto muito, Flora. Estou convicto de que foi uma pegadinha do destino. Naquela noite, não era para eu ter visto você, e sim ela. Ela provavelmente estava lá, na mesma seção, você chegou e... bem, só pude encontrá-la bem depois. Tenho certeza que estou fazendo o certo, não posso começar um casamento sabendo que eu vou me separar mais dia, menos dia. Vou atrás da minha deusa, é isso que quero. Adeus.
- Mas... mas... Ed, os convites já estão na gráfica!* Ed, EEEED!!!!
Chorando copiosamente e muito abatida, Flora foi sozinha para casa. Sentia raiva, vergonha, queria passar a noite em claro, gritar, sumir. Porém, resolveu dormir cedo, pois havia muita coisa para desfazer, desmarcar e cancelar na manhã seguinte.

Waidy não se conteve ao ouvir o relato.
- Florinha, querida, você me desculpe, mas este cara é um MANÉ! Você escapou, ele não te merecia, jamais!
- É verdade, amor, eu percebi isso, mesmo sofrendo bastante.
- Mas... fiquei curioso. Ele se casou com a tal "deusa"?
- Bem, pelo que eu soube, até foram morar juntos, mas ele perdeu o emprego por ficar bisbilhotando o cadastro dos clientes no supermercado e ela se mandou rapidinho.
- Hahaha, entendi... Agora você só me deve mais 3 histórias!
- Não seja por isso. A próxima é manjada, surrada, mas me pegou. Por onde começo...

* Esta frase foi retirada do filme "O Cheiro do Ralo", com Selton Mello. Enfim, a história como um todo tem pitadas do filme. Não deixe de assistir.

2 comentários:

Cristina disse...

Essa história me lembrou as crônicas do Veríssimo. :]

Semiramis Moreira disse...

Ednaldson é um bom nome pra gritar na rua... hahahahahahaha

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