28 julho 2009

O que sei sobre fretados

Boa parte das pessoas que opina sobre a questão dos fretados nunca precisou de um. Provavelmente acha que são um bando de folgados que ficam assistindo DVD ou dormindo no ar-condicionado. Por que eles têm esse tratamento “especial”? Ninguém tem a curiosidade de saber?

O que eu sei é que essas pessoas acordam lá pelas 4:30, 5:00 da manhã, indo para as ruas esperar os seus ônibus antes do sol nascer. Que em sua imensa maioria, não escolheram trabalhar a 50 km de casa, simplesmente vão para onde o emprego está.

O que sei é que nem todas as empresas reembolsam 100% do pagamento deste transporte, isso quando há algum reembolso. Acredite, a área de TI tem todo o tipo de contrato de trabalho que você pode imaginar (e até alguns que nem imaginamos).

O que sei é que tenho dezenas de amigos que fazem parte deste grupo de usuários que algumas pessoas estão pintando como uma espécie de “elite privilegiada”. O governo, como guardião da justiça, está apenas corrigindo um erro : esta “elite” não pode prejudicar o trânsito dos moradores da cidade e seus carrinhos de uma pessoa só.

O que sei é que meus amigos não têm nada de “elite privilegiada”. Trabalham desde cedo, muitos deles subiam e desciam a Serra do Mar todos os dias ainda nos tempos de faculdade, chegando depois das 20:00 na aula que começara às 19:00, não só alunos como professores, estes que se desdobravam em mais de um emprego. Ah, esqueci, aqui no Brasil, estudar e ter um emprego é ser elite. Desculpe-me.

O que sei é que muitos já enfrentaram trânsito infernal na cidade de São Paulo, causados pela quantidade ignorante de carros e transporte público insuficiente e inadequado. Meus amigos jamais se incomodariam de descer no Jabaquara e pegar um ônibus ou um metrô, desde que pudessem encostar os dois pés no chão ao entrar no veículo ou vagão. Meus amigos poderiam protestar por um transporte público melhor, mas sabe o que dirão a eles? “Estão brigando por quê? Nem aqui vocês moram. Arrumem emprego em suas cidades”. Se os próprios moradores da cidade preferem seus carros, o que podemos fazer?

O que sei é que deve estar bem mais fácil andar de carro por esses dias. As coisas vão se acomodando, as pessoas vão se acostumando, porque afinal, todas precisam trabalhar para sobreviver, todos têm contas no final do mês para pagar.

O que sei é que as pessoas utilizam fretados pela mesma razão que têm planos de saúde particulares : porque os serviços disponibilizados pelo poder público são incapazes de atender ou são de pior qualidade.

O que sei é que não adianta nada explicar tudo isso para quem nunca viveu nada disso na pele ou não conheça ninguém nesta situação. Então, continuem batendo palmas e enchendo a nossa cidade, nossas praias e o nosso saco a cada feriado prolongado.

2 comentários:

Alexandre disse...

Aline, como fica claro lendo a sua própria experiência, o fretado é a tentativa de resolver o problema "por cima", esse é o grande engodo. Temos que resolver o problema "por baixo", fazendo políticas públicas e urbanas sérias e voltadas pra melhoria do trânsito. Basicamente é essa forma de resolver os problemas que difere nós aqui subdesenvolvidos do 3º mundinho pro povo lá de cima.

A começar pelo fato de você ter que se deslocar de uma cidade pra outra pra trabalhar. Ou que se faça uma política voltada pras pessoas trabalharem em suas cidades de origem, ou que as empresas ofereçam condições pras pessoas morarem na cidades que oferecem emprego.

Eu acho o cúmulo milhares de pessoas via fretado saírem de Campinas, Santos, etc, todo dia pra trabalharem em SP sendo que o centro da cidade é totalmente vazio em termos de densidade populacional. Ninguém mora lá. A cidade não investe lá, não há políticas públicas voltadas pra isso.

Eu morei três anos no centro de SP na chamada "cracolândia" e aquilo era um deserto à noite e nos feriados, não tinha gente. Meus vizinhos eram uns poucos gatos pingados e os mendigos. Isso num dos lugares urbanisticamente mais privilegiados da capital.

Trabalhei um ano e pouco ali na Av. Paulista. Saía por volta das 5h30, 6h do trampo pra pegar o busão (normal, público) pra voltar pra minha kitnet "bat caverna" lá no centro velho. O trânsito na dita avenida ficava detonado nesse horário numa disputa insana entre carros, busões coletivos, e os ditos fretados que invadiam o pedaço e paravam sem cerimônia na porta das empresas sem qualquer estacionamento ou zoneamento, sem a mínima organização. Isso foi a quase dois anos atrás, imagino o inferno que deve ter se tornado depois disso.

A questão é, deixemos o "salve-se quem puder" e o fuck-off ligado pros políticos. Vamos cuidar da nossa vida que o resto se resolve, e onde isso vai parar? Uma hora a coisa explode.

Até comentei lá no twitter que o povo em SP fechou a Marginal pra protestar contra os fretados, mas pq esse mesmo pessoal não se organiza pra agir, fiscalizar, acompanhar, e cobrar dos políticos de forma eficiente políticas públicas pra melhor o transporte e a relação emprego/moradia das pessoas? Porque não fechar a Marginal e queimar uns pneus pra que se leve a sério metrô, trens, ônibus públicos?

É assim que a coisa muda e começa a funcionar, foi assim e é assim lá no ditos países desenvolvidos. Londres só tem 200 km de metrô pq as pessoas cobraram e cobram os políticos. Garanto que tudo aquilo não veio da boa vontade deles.

Mas enfim, é uma questão complexa, e acho que a Prefeitura exagerou ao radicalizar dessa maneira sem a tentativa de soluções intermediárias. Pelo menos eu não tive notícias delas.

De qualquer maneira, entendo sua "fúria reprimida" em um "mundo injusto". Eu tive os mesmos sentimentos só que numa outra ponta (ainda fraca) da mesma corda.

:)

Milton X disse...

Aline, concordo completa e totalmente com vc!

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