26 julho 2008

No supermercado

"Querido diário...

...a feminista que existe dentro de mim amanheceu louca. Senti uma revolta, uma indignação imensa em ter que me levantar cedinho, pegar o carro e fazer as compras do mês. Enquanto isso, o meu marido só deverá acordar lá pelas 10, quando os amigos dele vão passar aqui para levá-lo ao futebol semanal. Nem de futebol esse infeliz gosta, ele prefere mil vezes um jogo de vôlei, mas tenho a impressão de que esta reunião de amigos pernas-de-pau é só uma desculpinha para fugir das suas funções de marido, devidamente explicitadas no contrato de casamento. Quer dizer, não tinha nada disso escrito lá. Deveria. Sim, porque as funções das mulheres estão sempre bem memorizadas, somos cobradas por uma série de coisas e... Ah, deixa pra lá.
Com listinha de dona-de-casa à mão, iniciei meu "divertido" passeio por aqueles corredores. Produtos de limpeza, confere. Higiene pessoal, confere. Arroz e feijão, confere. Bolachas recheadas e outras besteiras, confere. Óleo de soja e açúcar, não confere. Óleo de girassol e adoçante, confere. Casal feliz empurrando um carrinho, confere. Confere?
Eram o Junior e a Letícia.
A Letícia meio que foi minha amiga um dia. Ok, nós éramos as melhores amigas do mundo desde a quinta série. Fizemos pacto de sangue com catchup, soubemos antes de qualquer outra pessoa do primeiro beijo, da primeira transa de cada uma. Só eu presenciei aquele pileque que a fez tirar a roupa no meio da pista de dança (ela, teoricamente, não bebe). Só ela me viu fumando 2 maços de cigarro em uma noite (eu, teoricamente, odeio cigarro). Eu furei o pneu do carro de um mané que a traiu, ela me arrumou um primo gatíssimo para fazer ciúme em um idiota. Essas coisas de amiga.
Aí um dia ela conheceu o Junior, na faculdade. O que ocorreu foi uma espécie de "Síndrome de Eduardo e Mônica" : ela fazia Medicina, falava alemão, viu o filme do Godard, e ele andava de bicicleta, fazia aulinhas de inglês e ainda estava no esquema escola-cinema-clube-televisão. Não, nada disso. A Letícia era uma aluna mega dedicada, esforçada, ia para o curso de manhã e trabalhava meio período, voltava pra casa e estudava para as provas até tarde da noite. O Junior era um ninguém que torrava a grana dos pais em pinga e sinuca. Nem lembro o curso dele, depois de formado ele trabalharia no comércio do papai. Assim, a faculdade era só uma formalidade.
Eu nem levei a sério quando eles começaram a namorar, imagina, eram água e óleo. Por isso, um dos maiores sustos da minha vida foi quando ela apareceu de anel no dedo, berrando no baile de formatura : "Juli, vou casar!". A partir deste dia, nossa amizade nunca mais foi a mesma. Eu não a culpo por me tratar friamente desde então. Afinal, depois de ficar com os óio torto de vodega, subi na mesa em que estavam os pais dela e comecei a berrar que o Junior era um imbecil, que ela valia muito mais que ele. Que ela não podia se casar com o primeiro que aparecesse. Perguntei, em meio a grunhidos bêbados, se ela se lembrava de quando tinha enchido a cara e tirado a roupa. Engraçado que, esta parte da história, ela disse para todo mundo que era coisa de bêbado e não levou a sério. Mas a parte do Junior, ah, esta doeu. Dizem as amigas em comum que, daquele dia em diante, ela só me chamava de "encalhada invejosa".
Nem um nem outro. Como eu não me achei no lixo, procurei muito e mantive a esperança até achar o homem perfeito para mim. Dois anos depois do casamento de Letícia, eu me casei. Ela não me convidou. Não a convidei.
Eu sempre ouço que o idolatrado Junior não é lá muito chegado a trabalho. A Letícia ganha o dobro do que ele ganha, é certeza que esse carro zero importado é fruto do suor dela. Dizem que está no nome dele. Meu Deus, tão inteligente e tão tapada, ao mesmo tempo.
Não tenho carro importado, mas encontrei o meu príncipe. O Marcos é minha alma gêmea e...
Ah, o Marcos é um FDP! Enquanto eu estou aqui, sozinha, empurrando dois carrinhos de compras, com dois idiotas esfregando a felicidade deles nas minhas fuças, ele deve estar chutando alguma canela peluda.
Pensando bem, Letícia, para que eu procurei tanto né?
Parei os dois e os convidei para jantar aqui em casa.
Sinto falta da Lê. Numa hora destas, eu não estaria falando mal dela. Estaria contando PARA ela os meus problemas, as minhas dúvidas. Diário, eu quero a minha amiga de volta. Com Junior de brinde e tudo o mais."

Juli.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu tenho medo das suas fábulas...

Cristina disse...

Isso é que é revolta rs

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